De imediato, não se trata aqui de se falar erroneamente de ideologia de gênero, muito menos associar esta questão a princípios, posições político-partidárias. É um absurdo ignaro. Falar em identidade de gênero é reportar ao respeito de identidade pessoal, na metafísica existencial do ser. Ser o que é, e revelar a sua identidade real. Trata-se sim da determinação pelo próprio indivíduo a partir da percepção que ele tem de si. Chega a ser cruel, portanto, tentar definir o outro pelo nosso olhar.
Parabéns, assim, pelo menos nesse aspecto, ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu no último dia primeiro permitir que transexuais e transgêneros alterem o seu nome no registro civil sem a necessidade de realização de cirurgia de mudança de sexo. A maioria dos ministros decidiu também que não será preciso autorização judicial para que o transexual requisite a alteração no documento, que poderá ser feita em cartório. Grande conquista do direito cidadão, na busca do domínio de sua real existência, com base no seu livre-arbítrio de ser.
O tempo avança em sua revisão comportamental de conceitos, em um natural processo de progressar, na direção de uma realidade que fuja a arcabouços religiosos e normativas sociais impositivas, em questões de valores e identidades. Ora, ora, os reais valores se agasalham em conduta, não em estereótipos de comportamentos. Ontem se tinha todo tatuado com um ser que levantaria suspeição, seguramente era um bandido. Simplesmente por conta de um desenho, de uma pintura em seu corpo. Revisou-se tal conceito, mas assim mesmo ainda há os que definem o outro pelas tatuagens.
Não devemos ter a preocupação de enquadramento de quem quer que seja em conceitos, grupos, tribos, principalmente nesses dias atuais de tantas investigações científicas no campo da sempre complexa sexualidade humana. Assim, alguém pode afirmar sua identidade de gênero como feminina (mulher), masculina (homem), fluida (uma identidade mesclada entre o feminino e o masculino e, portanto, ainda assim binária) ou simplesmente não binária (diz respeito às pessoas que não se sentem sua identidade contemplada dentro de uma classificação binária homem-mulher). Nesse caso a identidade de gênero pode ser neutra, agênera, ambígua, queer, mas, a bem da verdade, o que importa todos esses conceitos acadêmicos, quando se deve imperar o respeito, o direito ao outro de, inclusive, sintonizar em seus aspectos espirituais eternos?
O último voto foi da presidente da Corte, Cármen Lúcia, que, dando, antes de qualquer coisa, uma aula de fraternidade cristã, afirmou que “somos iguais, sim, na nossa dignidade, mas temos o direito de ser diferentes em nossa pluralidade e nossa forma de ser”.
José Medrado
Mestre em família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz